sábado, 10 de dezembro de 2011

RENATO DE MATTOS MOTTA


Poemas de Renato de Mattos Motta



 

a flor e o asfalto

preso ainda às convenções,
visto preto, cor do meu tempo
mas a rua, seu Carlos,
continua cinzenta.
tudo ainda está à venda
e arma alguma autorizaria revolta.

este é o tempo da justiça afinal,
não a justiça bondosa –
de bronze, de prata, de ouro –
justiça da ira divina,
do fogo descontrolado
que mata a nossa mata,
de terra que sacode escombros
como quem dá de ombros,
de um ar sujo e furioso
desembestado em tempestades,
de águas que retornam
sujas e podres como o mundo,
como o nosso mundo,
águas que inundam,
águas que lavam,
águas que levam tudo por diante,
águas que afogam velhos, crianças, bombeiros,
mais fortes que a força,
justiça de gaia febril
infectada de humanidade.

Mas, mesmo em um mundo revolto,
ainda há tardes amenas.
caminho pelo meu porto,
alegre ao menos no nome,
seduções em calças justas
encurvam meu pescoço,
o ar está luminoso,
embora a fumaça dos carros,
pardais pipilam,
mas não param
de catar comida no lixo,
da janela do edifício,
um gato observa os pardais
frustrado pelo vidro fechado.
ao meu lado, um som;
não é alto, mas diferente;
não o crepitar de folhas secas,
nem papel desfraldado ao vento,
é som mais pesado, embora leve.
ao meu lado, um som bate no chão.
é leve, mas tem o peso
de uma vida, que se vai.

uma flor morreu na rua!
não era forte como aquela do Carlos,
embora fosse mais bela,
bateu no chão preto e ficou,
vermelha, marcando sangue
uma flor solta no asfalto,
uma flor morta no asfalto,
uma flor!

pés
pneus,
vento,
chuva,
garis com suas vassouras
se encarregarão de levá-la,
mas ela ficará
na minha lembrança
(e na foto mortuária que tirei);
longe,
lá no pólo,
uma geleira se desfaz .




.......................





..........................................







...........................




Nenhum comentário: