terça-feira, 2 de outubro de 2012

NORDESTE BRASILEIRO

Fernanda Forster, membro de nossa Confraria, fez um convite ao grupo. Escrever sobre o Nordeste, Jorge Amado, Luiz Gonzaga ou qualquer outra vivência que contextualize esta região brasileira que mescla, na mesma proporção, o colorido das chitas com a seca que avassala o sertão.
A Confraria se transportou. Subiu nos caminhões de retirantes, montou cela nas mulas e se permitiu viajar entre as areias e o vento, entre a fome e a esperança, entre as paisagens e os versos.
O resultado?
Esse será apresentado agora, por poetas de várias partes do Brasil, todos nordestinos no exato tempo de um poema.





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Povo nordestino

Um povo que é bem sofrido 
em busca de ter a vida 
caminha ao sol só, perdido 
partindo a caminho, a lida.

Não teme o pobre destino 
sorri com a dura dor 
a procura do menino 
que vive o seu valor.

Come o mato da hora 
sem temer indigestão 
verdade é, por dentro chora.

O humor que o povo tem 
belo, é seu mapa da mina 
não precisa de ninguém. 

Rodolfo Andrade – Petrópolis / RJ

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SINA DE RETIRANTE

As mãos famintas desejam comida.
Os dedos feridos querem trabalho.
Os pés cansados buscam abrigo.
Os joelhos sofridos esperam milagres.
Os olhos tristes precisam gritar. 
As almas calejadas pedem justiça.
Os corpos surrados clamam por paz.
E jazem.

Edweine Loureiro – Japão

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Somos os meninos sem nome
Sem valor
Sem chão

Braços finos a apontar o horizonte
Pele quente ressecada pelo sol
Nos sonhos o nada

Caminhando de sandália rasteira nessa terra rachada
Fazemos do céu televisão
Onde assistimos à novela do carcará

Carcará é bicho ligeiro
Voa pra tudo que é lado
E nós, meninos sem nome
O seguimos a fim de chegar a um lugar
Onde a chuva apareça vez em quando
Onde a comida seja suficiente pra matar a fome
Onde os sonhos sejam preenchidos pelo que nunca foi visto
Pelo sol a escorrer enquanto uma brisa macia acaricia a pele.

Leila Maria – Cruz das Almas / BA

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NORDESTE, BERÇO DA POESIA

Canta , canta sertanejo!
Cantar é sua alegria
lá, no berço da poesia,
esse Nordeste que eu vejo
entre o bom gosto e o traquejo.
O nordestino é um forte,
não há quem melhor se porte
quando é trova ou é cordel.
Executa o seu papel
sempre entregue à própria sorte.

Gilson Faustino Maia – Petrópolis / RJ

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E por falar em nordeste...
ALAGOAS
Quero ficar em Penedo
navegar no São Francisco
onde ficaram as lembranças do meu pai
Comer jacaré
tucunaré
piaba mussum
castanha de caju
feijão verde jerimum
Fazer moringa de barro
brincar com bruxa de pano
À tarde dar adeus
aos pescadores
que vão de rio à dentro
Aguardar o retorno
barco cheio de frutos
(O velho Chico é generoso)
deitada na rede
tomando água de coco.

Maria Do Carmo Bomfim – Rio de Janeiro / RJ

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Nordeste caminho

Nordeste caminho
Entre suas linhas lugares,
Não há paralelo
Entre os seus quatro quadrantes!

Há somente palavras nas estradas.
Agreste nordeste não é linear,
Há um teatro brincante
Com os contos de fadas
Nas roças de seu fabular,
Vejo as crianças de odes e cantos.

Me deste este trajeto,
Eu que já fui aos outros pontos,
Ùltima parada é de arrimar.
Que este litoral\sertão
Deu vontade de contar

Que um dia eu vou rimar rumo com prumo
Com linguagem poética e oral\ então
Para falar de ti.

Fernando Sousa Andrade - Rio de Janeiro / RJ

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Nordeste, 1915, Raquel.

Andar hirto.
Mãos laivadas, pés machucadas sob o burel.
São Francisco passeando calmo
Com os olhos fixos no céu.

Sem cuidar da miséria,
Sem a infinita dor de quem só acredita.
Sem a fé dos imploram,
Sem ensaiar gesto de benção na hora aflita.

Porque ocupadas suas mãos estavam:
Um maço de rosas,
De quem pede sacrifício...
Muitos espinhos e, um grande crucifixo.

“ E novembro entra mais seco e miserável” (1)
Afiando finados, uma maior tristeza a explicar a sorte.
Farrapos imundos entoavam canções ao redor do santo,
Que olhavam o céu fatigado na cisma da morte.

De Magela – São Paulo / SP

(1) O Quinze, Raquel de Queiroz

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Pai e filho: Sertão

Quero dizer que sinto infinitamente
A gratidão do seu amor.
Se tiver que agradecer com palavras...
Terei de falar de pai e filho;
Terei de contar dois momentos meus.

Um foi quando sai sozinha andando a esmo como areia pelo sertão
E fui a um supermercado para comprar qualquer coisa para meu filho lá.
Peguei quinze pacotes de biscoitos e o volume incomodava na mão.
Foi quando ouvi aquela canção. E perguntei a deus do céu por que tamanha satisfação...

Tocava Gonzaguinha...
Quis saber de onde vinha o som.
Fui até a seção de DVD. E como terra ardendo sem judiação
Além de escutar, pude entender:
“... o que não dá mais pra segurar, explode coração”

Havia esquecido, de como gostava deles.
Quando mergulhada na meditação
Via asas brancas atravessando os céus
E encontrava as respostas na canção:
É bonita, é bonita e é bonita...

O segundo é mais que um segredo: Eu toco piano!
Sou amadora para esta inspiração... Imitar a asa branca da sanfona
Mas aquela comoção me fez tocar Gonzagão:
E pela tecla branca, jurei guardar contigo meu coração...

Momento inusitado é este da intervenção!
Quando o tempo brinca conosco e a vida diz: não!
Não quero que ligue para as palavras que estou segredando...
Estou apenas mostrando que dois pássaros cantam no céu
Como nuvens brancas trazendo lágrimas para o meu coração.

Camem Tereza Elias e De Magela – Rio de Janeiro / RJ e São Paulo / SP

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ATÉ NUM SABER

Koeller...
Exu...
Copacabana...
O mesmo que comparar Petrópolis com o Xingu
Avenida Atlântica com Caruaru

É preciso ser artista para falar de tanta gente
E fazer a voz soar como música na mesma vibração:
Talvez o sentimento humano explica essa aflição
E dê sentido a essa inquietação

Cada qual com a sua dor
Que as terras e olhares apagados revelam
Mazelas na Serra ... Casarões da época dos barões, condes e viscondes,
Em Exu aridez, terra rachada pela escassez.
Um mar tão longo a convidar ao abuso o lado do mundo

Quantas realidades distintas são necessárias para se sobreviver?
Gente brava para lutar ou morrer
Enquanto as chuvas lavram, lavam, matam
Secas desidratam a morte , águas bebem corpos

E a força de trabalho diário toca
Toca por tantas ruas nobres
Tantos moribundos sem nome
Toca...toca a sanfona até num saber.

De Roma Magela e Carmem Teresa Elias – São Paulo / SP e Rio de Janeiro / RJ

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COMPARAÇÃO

La vai ela...
Teresa Nordestina, carrinho de feira e uma panela.
Copacabana...
A cidade parece triste.

Aglomerado, disforme impessoal.
Tanta fartura que se chega a passar mal.
Ninguém cumprimenta ninguém;
Dissolvem feito sal.

La vai ela...
Andando e lembrando.
Em Caruaru é dia de Cosme
Tem festa e doce para comemorar.

La vai ela...
Lembrando que no sertão, cada arvore é uma oração.
Cada galho fraco e torto, são crianças aflitas
Esperando atenção.

La vai ela...
Pensando da feira o que trazer.
Aqui os gostos são exigentes,
Lá não há muito a escolher.

De Magela e Carmem Teresa Elias – São Paulo / SP e Rio de Janeiro / RJ

Imagem : “Retirantes” de Portinari

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Cara pintada no Sertão

Mudou demais o nordeste...
O litoral virou artigo, quase importado... e de luxo!
Hotéis para gringos...
Que para nós não valem o custo.

Vida sadia...será que por lá já houve?
Crianças criando brinquedos de barro...
Correndo livres de caras sujas pelo sertão.
Hoje até vinho vem da Bahia!

Seca, morte na natureza...
Animais e plantações, nada parece vingar.
Vi em Caruaru meninas pedindo esmolas...
Depois eu continuo, agora tenho que chorar.

Contradição!
Escolas insistem por lá, entre paredes caídas, sob o teto de luar
Ainda há Festa Junina, Cosme e Damião, maracatu, e as folias dos senhores reis...
O céu estrelado ainda é sem poluição,
Mas quem olha o céu esculpindo a morte nas mãos?

Carmem Teresa Elias e De Magela –Rio de Janeiro / RJ e São Paulo / SP.

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Tributo a Luiz Gonzaga

No sopé da serra eclodira um canto
E por todos os cantos se ouvia
O nordeste pernambucano
Não comportava sua melodia

Sua voz ganhara asa branca
E transcendera aos céus de Araripe
Adejando sobre uma sanfona
Presa as suas origens

Vira e mexe uma nova cor
Aquarela nordestina
E o eterno cantador
Faz o xote das meninas

Na lagoa do amor
Ou no canto do salão
O bom improvisador
Constrói o reino do baião

Pinta de acácia amarela
O crepúsculo sertanejo
Evidencia o homem da Terra
Em suas vestes de vaqueiro

Viera da alma do sertão
Essa alegria de pé de serra
Que brotara do Gonzagão
E hoje esparge em toda a terra

Com o coração molim
Partira o rei do baião
Mas sua vida não há de ter fim
Enquanto houver o luar do sertão

Ivone Alves Sol – Petrópolis / RJ

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Baião indiano

Deus Krishna veio lá da Índia
Para dançar seu baião,
Pois o que alegra a sua vida
É o coração que é Sertão...

Palavras simples, meu bem,
Que vêm do Sim e do Não:
Na Areia Seca, O Xerém,
O Oceano da Salvação!

Eu sou feliz como um Deus,
No Ganges de uma canção,
É quando toco pros meus
Irmãos este meu baião!

Deste Sertão que é indiano
E faz da Índia um baião
E faz até o muçulmano
Só rir lá no Paquistão!

Por isso eu digo meu bem,
Com toda a convicção (2X)
Baião é indiano também,
Que, em todo peito, há o Sertão...

Sucesso no sarau e viva o Mestre do Baião!

André De Castro – Cruz Alta / RS

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Rei do Baião

No sopé da serra do araripe
Sertão de Pernambuco
Nasceu em 13 de dezembro de 1912
Àquele que se tornaria, no futuro
O rei do Baião
Nosso Gonzagão
Desde menino
Já se interessava por música
Deixando o pai, seu Januário
Doido
Queria o menino doutor
Mas...o destino falou mais alto
E o menino que dividia seu tempo
Entre enxadas e sanfonas
Entregou-se a sua paixão
E com a sua sanfona no braço
Ganhou mundo
E o mundo ao se deleitar com suas canções
Recheadas de pura brasilidade
O consagrou mito

Jane Marques – Petrópolis / RJ

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Falar de Luiz Gonzaga
É falar de alegria
Baião, sanfona e forró
Tudo feito com harmonia!
Homem músico, foi poeta
brilhar em suas canções
Cantava pra nossa gente
Encantou a gerações!

Gonzaga gerou um filho
Passando seu dom poético
Orgulho desse país!

Viveu sua brasilidade
Fazendo desse povo sofrido,
mais satisfeito e feliz !

Fernanda Forster – Petrópolis / RJ

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Cantos de tristeza

Mudo mundo de humanos imundos,
Silenciaram o chilrear da ave,
Encheram as ruas de vagabundos
e a natureza em fogo arde.

Mundo sem vozes que encantaram,
Lá se foi o farfalhar das folhas,
O tanger dos sinos que entoavam
gritos de liberdade sem refolhas.

Não ouvimos mais as cachoeiras,
As crianças felizes em algazarra
brincando aos pés das mangueiras.

Ah, esses cantos de tristeza malvada:
Mendigos, buzinas, silvos, asneiras!
Destruíram tudo da terra amada!

Luiz Santos – Rio de Janeiro / RJ.

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Povo nu

Piso esse chão seco que um dia já foi mar
O pulsar dessa terra sinto em passos dados
Leio na planta de meus pés a história desencantada
Eras cravadas, marcadas e frustradas
Por sonhos impossivelmente idealizados

Ouço seu grito de socorro longínquo
Um eco profundo de uma garganta que dói
Terra rachada que lamenta e chora
A vida de um povo nu

Pés rachados de pisar o árido, o seco
Cabeça chata de carregar em seu couro um sol impiedoso
Barrigas redondas que carregam em seu ventre
Párias de um mundo cruel.

Vidas que sonham com o que nunca viram
Saudades de um mundo que já existiu...

Ana Lucia Souza Cruz - Rio de Janeiro / RJ

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Depoimento de Ivone Sol:  Atendendo ao convite da Professora e escritora Fernanda Forster, Juntamente com Confraria da Poesia Informal, participamos da Semana Literária da Escola Princesa Isabel, que teve em sua temática o Nordeste Brasileiro. Foi um evento lindo e enriquecedor. No ensejo fizemos uma sucinta alusão ao nosso Nordeste e ao maior representante da cultura Nordestina, o cantor e compositor Luiz Gonzaga. Além do poema que dediquei ao Rei do Baião, fiz um dueto com o Escritor Almir Tosta sobre os dialetos nordestinos, um trabalho produzido pelos meus alunos na Escola Letras e Números, instituição onde lecionei até 2011. 
O Gilson Faustino entrou no rimo do Nordeste e recitou um belo cordel de sua autoria. Já a Fernanda Forster e a Jane Marques se renderam ao Rei do Baião, lhe cantando em poesia.
Aproveito esse registro para cumprimentar a todos os colegas professores pela passagem do nosso dia!
Um abraço enSOLarado — Ivone Alves Sol – Petrópolis / RJ







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